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martes, 27 de mayo de 2008

A CLASSE BURGUESA E O SABER


A CLASSE BURGUESA E O SABER

Notas para a Sociologia do Conhecimento

por

Jacob (J. Lumier

Em relação à classe burguesa observa-se como se sabe vários papéis desempenhados segundo as conjunturas particulares e as épocas, sobretudo o papel de vanguarda revolucionária, primeiro, e o papel de classe moderadora e conciliadora, depois, por etapas.

Deve-se remarcar a distinção de uma consciência de classe otimista observada em períodos anteriores à degenerescência da classe burguesa no capitalismo dirigista da primeira parte do século XX.

Como se sabe a consciência de classe otimista era caracterizada na classe burguesa pela confiança em um progresso técnico e econômico ilimitado; pela confiança na harmonia dos interesses de todos, na universalidade dos benefícios do capitalismo e da civilização urbana. Dessa maneira, nota-se a consciência aberta como fenômeno de classe ocorrente no estrato mais afortunado da classe burguesa em sua época de desenvolvimento, no século XIX, quando pontificava a figura dos “grandes patrões”: bons organizadores e calculadores, além de empresários clarividentes, generosos e filantropos, consciência aberta esta que se contrasta com a consciência coletiva da classe camponesa, redobrada sobre si.

Portanto, será do ponto de vista dessa consciência de classe burguesa otimista, que pretendia prestar-se para a difusão universal atraída que estava pela mais racional e a menos emotiva das ideologias de classe, que se empreende o estudo do sistema cognitivo da classe burguesa considerada como sede propícia do saber.

De fato, a chegada ao poder da classe burguesa no século XVIII trouxe como mudança em permanência alcançando o interior das estruturas o fato de que a sociedade industrial passa a experimentar uma união entre conhecimento científico da natureza e o conhecimento técnico.

Até então, antes da chegada ao poder da burguesia, com a sociedade industrial ainda em seus começos no século XVII, nota-se que essa mesma sociedade se inclinava para desenvolver-se fora das ciências, diretamente nas fábricas e nas práticas de trabalho que elas suscitavam.

Situando o mundo exterior como correspondendo às perspectivas da expansão econômica e da evolução da técnica, o saber burguês teve muito a ver (a) – com a conquista de novos mercados, notadamente os coloniais; (b) – com a busca de mão de obra e das riquezas naturais tais como os minerais, o petróleo, o carvão, etc.; e finalmente, (c) – com a colocação nova dos capitais e com as organizações industriais nacionais e internacionais, incluindo os trustes e cartéis.

A chegada ao poder da classe burguesa no século XVIII trouxe como mudança o fato de que a sociedade industrial passa a experimentar uma união entre conhecimento científico da natureza e o conhecimento técnico.

Ademais, esse conhecimento do mundo exterior próprio da classe burguesa assimila os padrões quantitativos do “tempo é dinheiro” ajustando-se sem dificuldade graças à intervenção dos meios de comunicação, qualidade essa que se combina aos tempos identificados à circulação dos capitais e aos investimentos, ao ciclo da produtividade das empresas, à duração do trabalho e do comércio.

O conhecimento político da classe burguesa ocupa um grau menos elevado do que o conhecimento científico, o conhecimento técnico e o do mundo exterior, que são interpenetrados.

Sabe-se que, desde sua formação no século XVII até os anos atuais, a classe burguesa sempre manifestou um conhecimento político muito eficaz, como tática e como afirmação de um ideal, que se cristalizou em doutrinas elaboradas - desde Hobbes, Spinoza, Rousseau, até o neoliberalismo e o solidarismo dos finais do século XIX.

Todavia, a característica do conhecimento político da burguesia é ter sido capaz de manter-se moderado até as primeiras décadas do século XX. Para isso apoiou-se nos mitos da paz, da igualdade de possibilidades, do progresso técnico ilimitado, da igualdade dos interesses de todos e, por fim, o mito da abundância, os quais, embora invocados com prudência e reserva, mostram o valor da redução do conhecimento do outro ao conceito genérico da pessoa humana tomado como conceito idêntico para todos, de que se nutre o subjetivismo idealista.

Esse conhecimento político moderado deve-se a que a burguesia sempre tratou de evitar comprometer-se, mantendo-se como agente político circunspecto, já que, finalmente, sempre teve mais a perder que a ganhar em toda a crise ou revolução, temendo perder seus bens e, assim, sua existência mesma. Em suma, a burguesia está sempre disposta aos arranjos e, no possível às concessões, fazendo-se facilmente reservada e conservadora onde seus interesses econômicos não estejam gravemente ameaçados e onde não se questiona sua existência.

Para compreender a expressão intelectual dessa mentalidade, deve-se observar que será a formação de grupos de interesse na Renascença prolongando-se em disputas políticas no Ancien Régime que possibilitará o surgimento e a a elaboração das doutrinas políticas modernas – começando na Inglaterra, com Thomas Morus (“Utopia”, 1516) e Francis Bacon (“Nova Atlântida”, inconclusa).

Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, serão os escritos de Hobbes e Locke que correspondem às aspirações da classe burguesa ascendente como quadro social do conhecimento que, finalmente, só então triunfará. Na França: os fisiocratas, os enciclopedistas, Turgot, J.J.Rousseau terão influência desde o começo e durante a revolução, e suas doutrinas tratam tanto do fim ideal quanto da tática a empregar para alcançá-lo, tipificando o conhecimento político formulado ou elaborado. Na Holanda: o “Tratado Político” (1675-1677) de Spinoza já faz pressentir segundo os estudiosos “certos elementos do pensamento de Rousseau” [1].

A sociologia do conhecimento nas sociedades globais que dão à luz o capitalismo nos mostra um ambiente muito novo e imprevisto impulsionado como é sabido pelo advento do começo do capitalismo e do maquinismo; pelo descobrimento do Novo Mundo; pela política absolutista de nivelação dos interesses, pela afluência das grandes massas da população às cidades, etc.

Daí que o conhecimento de senso comum que servirá à classe burguesa em formação se encontre disperso em vários meios, seguintes: (a) – entre os cortesãos, os representantes da nobreza de espada e os da nobreza de toga; (b) - nos diferentes grupos da burguesia, no novo exército profissional, entre os marinheiros, etc., ou ainda, entre os operários da fábrica. Seu refúgio será, então, a vida rural e os círculos restritos da família doméstica conjugal.

Nas sociedades globais que dão à luz o capitalismo surge um novo conhecimento de outro afirmando uma tendência para universalizar a pessoa humana que se relaciona a Rousseau, com sua teoria da Vontade Geral idêntica em todos, e a Kant, este, com seu conceito de “Consciência Transcendental” e de “Razão Prática”, que chega à afirmação da “mesma dignidade moral” em todos os homens.

Gurvitch nos lembra a observação de Descartes de que o senso comum é “a mais compartilhada” das faculdades, avaliando que o mestre do racionalismo moderno resistia desta maneira à tentação de negar a existência mesma dessa classe de conhecimento, “provavelmente pressionado pelas contradições crescentes entre os diversos beneficiários do conhecimento de senso comum”.

No último lugar desse sistema cognitivo das sociedades globais que dão à luz o capitalismo, vem o conhecimento de outro e dos Nós que: (1) - como o conhecimento de senso comum, também se encontra em grande dispersão pelos diferentes meios relacionados com a atualização da sociabilidade das massas, com a política de nivelação do absolutismo e com a desintegração dos grupos herdados da sociedade feudal, estando em nítida regressão a identificação do conhecimento dos Nós ao “espírito de corpo”. (2) - Todavia, Gurvitch observa que se nota um novo conhecimento de outro, servindo de compensação parcial para o rebaixamento desse mesmo conhecimento de outro como de indivíduos concretos, lembrando-nos que, tanto na classe proletária nascente como na classe burguesa ascendente, ambas penetradas da ideologia de competição e de produção econômica, o conhecimento de outro é quase nulo.

Nosso autor acrescenta que nesse novo conhecimento de outro se trata de uma tendência para universalizar a pessoa humana que se relaciona a Rousseau, com sua teoria da Vontade Geral idêntica em todos, e a Kant, este, com seu conceito de “Consciência Transcendental” e de “Razão Prática”, que chega à afirmação da “mesma dignidade moral” em todos os homens [2]. Note-se entre parêntesis que em sociologia prevalece o interesse pelo homem como indivíduo específico e diferente de seus semelhantes. A individualidade concreta tem sua dignidade moral reconhecida na Declaração dos Direitos Sociais. [Ver: Gurvitch, Georges: “La Déclaration des Droits Sociaux”, éditions de la Maison Française, New York, 1944; Ver na Internet: ACERVO DA BIBLIOTECA VIRTUAL PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL E A DEMOCRACIA (link)].

Quer dizer, tem-se um conceito geral do outro fora de toda a concreção, de toda a individualização efetiva, acentuando-se as formas racional, conceitual, especulativa e simbólica, com tendência frustrada a reunir o coletivo e o individual no geral ou no universal.

Aliás, aqui se fala de um novo conhecimento de outro em referência à época moderna. Na época clássica, a tendência da sociedade não-estatal a dissolver-se numa poeira de indivíduos isolados torna muito limitado o conhecimento de outro e dos Nós no âmbito dos grupos de filósofos organizados em liceus e academias.

Desta sorte, na época clássica correspondendo às cidades Estados tornando-se Impérios, como tipo de sociedade global, havia um conhecimento de outro mais apto apenas para captar nos demais a generalidade que a individualidade concreta, tendência à generalidade essa que é muito nítida em Sócrates e em seus adversários, os sofistas, os quais como já observou G.Gurvitch se interessavam pouco pelo homem como indivíduo específico e diferente de seus semelhantes, e mais como representante indiferenciado e genérico da humanidade racional em geral.

No sentido desta tendência à generalidade procede a crítica ao estruturalismo de Claude Levy-Strauss como relevando do subjetivismo idealista. Sua afirmação da “existência de um estruturalismo lógico universal na base de toda a sociedade” não passa de projeção da idéia de uma consciência transcendental e universal implicando a aceitação do preconceito filosófico do século XVIII indevidamente transposto na Teoria Sociológica.

Segundo Georges Gurvitch, Levy-Strauss “parece crer que o fato de subscrever-se ao juízo de Paul Ricoeur que qualifica seu pensamento de ‘kantismo sem sujeito transcendental’ vá fortalecer sua posição, esquecendo que, para Kant, não podia haver oposição entre ‘sujeito transcendental’ e ‘consciência transcendental’, reconhecida como idêntica para todos[3] [Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, trad. Mário Giacchino, Caracas, Monte Avila, 1969, 289pp (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1966). Op. Cit. Págs.145/146].

Sob este aspecto, em Karl Popper, por sua vez, podemos assinalar orientação crítica ao neokantismo semelhante à de Gurvitch, com a compreensão de que, no dizer de Popper, “a idéia de Kant de um tipo padrão de intuição pura compartilhada por todos nós (...) dificilmente pode ser aceita” [4] [Cf. Popper, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394 pp., traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 – 1ªedição em Inglês: Londres, Oxford University Press, 1972 – ver pág. 34.]

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***



[1] Cf. Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, op.cit.

[2] Em sociologia prevalece o interesse pelo homem como indivíduo específico e diferente de seus semelhantes. A individualidade concreta tem sua dignidade moral reconhecida na Declaração dos Direitos Sociais. Ver: Gurvitch, Georges: “La Déclaration des Droits Sociaux”, éditions de la Maison Française, New York, 1944.

[3] cf. Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, op. cit. Ver págs.145/6.

[4] Cf. Popper, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394 pp., traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 – 1ªedição em Inglês: Londres, Oxford University Press, 1972 – ver pág. 34.

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1 comentario:

Vergonha de ser pitagoras! dijo...

Olá Jacob! entrei no seu blog e dei uma lida neste artigo. Vários trechos me chamaram a atenção, mas o principal foi o final onde vc diz "Em sociologia prevalece o interesse pelo homem como indivíduo específico e diferente de seus semelhantes. A individualidade concreta tem sua dignidade moral reconhecida na Declaração dos Direitos Sociais".

Não posso ignorar me senti incluída neste contexto e que esta sempre foi a minha indignação em relação ao mundo esquisito que vivo "o respeito a individualidade" Talves por isso eu seja tão radical contra o modelo fordista de produçao que vivemos ainda hje e que apesar de mtas empresas negaram como a empresa que trabalho, no final somos robozinhos que ralam mto, pensam pouco e fazem um trabalho quantitativo e estressante na frente de uma maquina chamada computador. fico imaginando Champlin numa versão nova de "tempos modernos" ele caindo por cima dos computadores e se enrolando nos fios ja que hoje somos escravos nao mais do maquinario antigo daquela epoca, mas do PC. Enfim, a minha identificação com a Sociologia nao há de ser mero acaso.

boa noite,

Hasta luego!

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